Um estudo publicado pela Cambridge University Press — “Criminal Governance in Latin America: Prevalence and Correlates” — mostra que a presença do crime organizado como “Estado paralelo” é um fenômeno generalizado no continente. Segundo os autores, entre 77 e 101 milhões de pessoas na América Latina (cerca de 14% da população) vivem sob algum tipo de “governança criminal”, isto é, em comunidades onde facções criminosas impõem regras, regulam comportamentos e, muitas vezes, substituem o Estado em parte de suas funções.
No Brasil, veículos como o Conexão Política citam esse mesmo estudo para afirmar que entre 50,6 e 61,6 milhões de brasileiros — aproximadamente 26% da população — vivem sob domínio de facções criminosas, o que colocaria o país na liderança do ranking latino-americano. Embora a pesquisa acadêmica não apresente diretamente esse percentual específico para o Brasil, ela confirma que o fenômeno é massivo e crescente, especialmente em áreas urbanas e periféricas.
As raízes do problema
O domínio das facções não nasce no vácuo. Ele é alimentado por uma combinação de fatores estruturais e políticos:
- Blindagem institucional e legislativa: Partidos financiados por organizações criminosas atuam para barrar leis mais duras, travar reformas no sistema prisional e criar brechas para reduzir penas ou flexibilizar execuções penais.
- Financiamento ilícito de campanhas: Facções investem em candidatos em troca de proteção, contratos públicos e nomeação de aliados em cargos estratégicos.
- Controle territorial com fins eleitorais: Em várias regiões, o crime organizado controla o voto, intimida adversários e elege representantes alinhados às facções.
- Uso do Estado como aparelho de lavagem: Prefeituras e secretarias são instrumentalizadas para lavar dinheiro, empregar “soldados” em cargos fantasmas e desviar verbas de saúde e educação.
- Impunidade e enfraquecimento das instituições: Nomeações estratégicas, interferência em investigações e desmonte de estruturas de combate ao crime enfraquecem Justiça, Ministério Público e polícias.
Um Estado paralelo consolidado
O estudo da Cambridge alerta para o avanço desse modelo híbrido de poder, em que grupos criminosos não apenas coexistem com o Estado oficial, mas passam a disputar legitimidade e funções com ele. No Brasil, o fenômeno já não é restrito às periferias das grandes cidades: atinge pequenas cidades, áreas rurais e fronteiras estratégicas para o tráfico internacional.
Sem enfrentamento sistêmico — que vá além de operações midiáticas e prisões em massa — o núcleo do crime (comando, financiamento e controle político) seguirá intacto. A pesquisa reforça que a governança criminal prospera justamente onde o Estado é frágil e a corrupção se torna estrutural.